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01/12/2012

A Máquina de Escrever



Mãe, se eu morrer de um repentino mal, 
vende meus bens a bem dos meus credores: 
a fantasia de festivas cores 
que usei no derradeiro Carnaval. 

Vende esse rádio que ganhei de prêmio 
por um concurso num jornal do povo, 
e aquele terno novo, ou quase novo, 
com poucas manchas de café boêmio. 

Vende também meus óculos antigos 
que me davam uns ares inocentes. 
Já não precisarei de duas lentes 
para enxergar os corações amigos. 

Vende , além das gravatas, do chapéu, 
meus sapatos rangentes. Sem ruído 
é mais provável que eu alcance o Céu 
e logre penetrar despercebido. 

Vende meu dente de ouro.
O Paraíso requer apenas a expressão do olhar. 
Já não precisarei do meu sorriso 
para um outro sorriso me enganar. 

Vende meus olhos a um brechó qualquer 
que os guarde numa loja poeirenta, 
reluzindo na sombra pardacenta, 
refletindo um semblante de mulher. 

Vende tudo, ao findar a minha sorte, 
libertando minha alma pensativa 
para ninguém chorar a minha morte 
sem realmente desejar que eu viva. 

Pode vender meu próprio leito e roupa 
para pagar àqueles a quem devo. 
Sim, vende tudo, minha mãe, mas poupa 
esta caduca máquina em que escrevo. 

Mas poupa a minha amiga de horas mortas, 
de teclas bambas, tique-taque incerto. 
De ano em ano, manda-a ao conserto 
e unta de azeite as suas peças tortas. 

Vende todas as grandes pequenezas 
que eram meu humílimo tesouro, 
mas não! ainda que ofereçam ouro, 
não venda o meu filtro de tristezas! 

Quanta vez esta máquina afugenta 
meus fantasmas da dúvida e do mal, 
ela que é minha rude ferramenta, 
o meu doce instrumento musical. 

Bate rangendo, numa espécie de asma, 
mas cada vez que bate é um grão de trigo. 
Quando eu morrer, quem a levar consigo 
há de levar consigo o meu fantasma. 

Pois será para ela uma tortura 
sentir nas bambas teclas solitárias 
um bando de dez unhas usurárias 
a datilografar uma fatura. 

Deixa-a morrer também quando eu morrer; 
deixa-a calar numa quietude extrema, 
à espera do meu último poema 
que as palavras não dão para fazer. 

Conserva-a, minha mãe, no velho lar, 
conservando os meus íntimos instantes, 
e, nas noites de lua, não te espantes 
quando as teclas baterem devagar.

18/11/2012

A casa das ausências

Quem é esta imagem?
Que não desaparece quando a luz se apaga,
nem descansa no berço noturno de meu sono,
que segue antecipando conclusões dos pensamentos
e chega antes de mim onde nem sei se posso?
sutil e perversa, ela percorre o itinerário torpe de minha consciência e lê os livros antes que os escreva...
Conhece o lugar onde deixei os rascunhos das frases inacabadas,
e sabe da omissão de minhas rasuras
Exausta ela dorme no ermo dos meus esquecimentos,
onde sussurra em segredo o desassossego daquele nome"

(Poema extraído do livro :"A casa das ausências" de Ézio Deda.)

31/10/2012

Clandestino

Vou falar por enigmas
apagar as pistas visíveis
cair na clandestinidade.
descer de pára-quedas
camuflado
numa clareira clandestina
da mata atlântica.

Já não me habita mais nenhuma utopia
animal em extinção,
quero praticar poesia
- a menos culpada de todas as ocupações.

Já não me habita mais nenhuma utopia.
meu desejo pragmático-radical
é o estabelecimento de uma reserva de ecologia
- quem aqui diz estabelecimento diz escavação -
que arrancará a erva daninha do sentido ao pé-da-letra,
capinará o cansanção dos positivismos e literalismos,
inseminará e disseminará metáforas,
cuidará da polinização cruzada,
cultivará hibridismos bolados pela engenharia genética,
adubará a dosagem adequada de calcário,
utilizará o composto orgânico
excrementado
pelas minhocas fornicadoras cegas
e propagará plantas por alporque
ou por enxertia.

Já não me habita mais nenhuma utopia.

sem recorrer
ao carro alegórico:
olhar o que é,
como é, por natureza, indefinido.
quero porque quero o êxtase,
uma réplica reversora da república de Platão
agora expulsando para sempre a não-poesia
da metamorfose do mundo.

Já ão me habita mais nenhuma utopia.
bico do beija-flor suga glicose.
no camarão
em flor.
(Texto: Waly Salomão )
Ilustração: Metamorphosis: Carol Carter

01/05/2012

Para atravessar contigo o deserto do mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento


Sophia de Mello Breyner Andresen 
              Livro Sexto (1962) 

13/01/2012

Maria Bethânia Ultimatum

 Ultimatum - Uma adaptação do Poema de Álvaro de Campos, 1917. 

"...Deixem-me respirar!
Abram todas as janelas!
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo!"


Apresentação de Maria Bethânia, no show: Dentro Do Mar Tem Rio, no Teatro Guaíra em Curitiba.Em 17/03/2007.

07/11/2011

Lágrimas Ocultas

Lágrimas Ocultas
Se me ponho a cismar em outras eras,
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida …

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida !

E fico, pensativa, olhando o vago …
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim …

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma !
Ninguém as vê cair dentro de mim !
Florbela Espanca 

29/07/2011

Poema dos Dons


Ninguém rebaixe a lágrima ou rejeite 
esta declaração da maestria. 
de Deus, que com magnífica ironia 
deu-me a um só tempo os livros e a noite. 

Da cidade de livros tornou donos 

estes olhos sem luz, que só concedem 
em ler entre as bibliotecas dos sonhos 
insensatos parágrafos que cedem 

as alvas a seu afã. Em vão o dia 

prodiga-lhes seus livros infinitos, 
árduos como os árduos manuscritos 
que pereceram em Alexandria. 
De fome e de sede (narra uma história grega) 
morre um rei entre fontes e jardins; 
eu fatigo sem rumo os confins 
dessa alta e funda biblioteca cega. 

Enciclopédias, atlas, o Oriente 

e o Ocidente, centúrias, dinastias, 
símbolos, cosmos e cosmogonias 
brindam as paredes, mas inutilmente. 

Em minha sombra, o oco breu com desvelo 

investigo, o báculo indeciso, 
eu, que me figurava o paraíso 
tendo uma biblioteca por modelo. 

Algo, que por certo não se vislumbra 

no termo acaso, rege estas coisas; 
outro já recebeu em outras nebulosas 
tardes os muitos livros e a penumbra. 

Ao errar pelas lentas galerias 

sinto às vezes com vago horror sagrado 
que sou o outro, o morto, habituado 
aos mesmos passos e aos mesmos dias. 

Qual de nós dois escreve este poema 

de uma só sombra e de um plural? 
O nome que assina é essencial, 
se é indiviso e uno este anátema? 

Groussac ou Borges, olho este querido 

mundo que se deforma e que se apaga 
numa empalidecida cinza vaga 
que se parece ao sonho e ao olvido.


Poema de Jorge Luis Borges
Trad. de Josely Vianna Baptista.
São Paulo: Companhia das Letras, 2009.


Um Momento de Poesia, Música e Reflexão!

23/06/2011

A Educação pela Pedra


Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, freqüentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra
(de fora para dentro, cartilha muda),
para quem soletrá-la.

 Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença entranha a alma.

João Cabral de Melo Neto

13/06/2011

Fernando Pessoa - Aniversário

O português Fernando António Nogueira Pessoa, mais conhecido como Fernando Pessoa, completaria 123 anos neste 13 de junho de 2011.
Este vídeo foi produzido em tributo a este grande e consagrado poeta.Ícone da literatura universal!

PRODUÇÃO E NARRAÇÃO: Alba Simões
Aniversário
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais       copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos) 

08/04/2011

No interior das coisas

Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.

Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem.
No interior das coisas canto nua.

Aqui livre sou eu — eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos
Aqui sou eu em tudo quanto amei.

Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos atos que vivi,

Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.

Sophia de Mello Breyner Andresen
Título original:Poesia

22/02/2011

Este é o Prólogo


Deixaria neste livro 
toda minha alma. 
Este livro que viu 
as paisagens comigo 
e viveu horas santas. 

Que compaixão dos livros 
que nos enchem as mãos 
de rosas e de estrelas 
e lentamente passam! 

Que tristeza tão funda 
é mirar os retábulos 
de dores e de penas 
que um coração levanta! 

Ver passar os espectros 
de vidas que se apagam, 
ver o homem despido 
em Pégaso sem asas. 

Ver a vida e a morte, 
a síntese do mundo, 
que em espaços profundos 
se miram e se abraçam. 

Um livro de poemas 
é o outono morto: 
os versos são as folhas 
negras em terras brancas, 

e a voz que os lê 
é o sopro do vento 
que lhes mete nos peitos 
— entranháveis distâncias. — 

O poeta é uma árvore 
com frutos de tristeza 
e com folhas murchadas 
de chorar o que ama. 

O poeta é o médium 
da Natureza-mãe 
que explica sua grandeza 
por meio das palavras. 

O poeta compreende 
todo o incompreensível, 
e as coisas que se odeiam, 
ele, amigas as chama. 

Sabe ele que as veredas 
são todas impossíveis 
e por isso de noite 
vai por elas com calma. 

Nos livros seus de versos, 
entre rosas de sangue, 
vão passando as tristonhas 
e eternas caravanas, 

que fizeram ao poeta 
quando chora nas tardes, 
rodeado e cingido 
por seus próprios fantasmas. 

Poesia, amargura, 
mel celeste que mana 
de um favo invisível 
que as almas fabricam. 

Poesia, o impossível 
feito possível. Harpa 
que tem em vez de cordas 
chamas e corações. 

Poesia é a vida 
que cruzamos com ânsia, 
esperando o que leva 
nossa barca sem rumo. 

Livros doces de versos 
são os astros que passam 
pelo silêncio mudo 
para o reino do Nada, 
escrevendo no céu 
as estrofes de prata. 

Oh! que penas tão fundas 
e nunca aliviadas, 
as vozes dolorosas 
que os poetas cantam! 

Deixaria no livro 
neste toda a minha alma... 

Federico García Lorca, in 'Poemas Esparsos' 
Tradução de Oscar Mendes

28/01/2011

Há Palavras que Nos Beijam


Há palavras que nos beijam 
Como se tivessem boca. 
Palavras de amor, de esperança, 
De imenso amor, de esperança louca. 


Palavras nuas que beijas 
Quando a noite perde o rosto; 
Palavras que se recusam 
Aos muros do teu desgosto. 


De repente coloridas 
Entre palavras sem cor, 
Esperadas inesperadas 
Como a poesia ou o amor. 


(O nome de quem se ama 
Letra a letra revelado 
No mármore distraído 
No papel abandonado) 


Palavras que nos transportam 
Aonde a noite é mais forte, 
Ao silêncio dos amantes 
Abraçados contra a morte. 


Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca

18/01/2011

Vaga, no Azul Amplo Solta

Vaga, no azul amplo solta, 
Vai uma nuvem errando. 
O meu passado não volta. 
Não é o que estou chorando. 

O que choro é diferente. 
Entra mais na alma da alma. 
Mas como, no céu sem gente, 
A nuvem flutua calma. 

E isto lembra uma tristeza 
E a lembrança é que entristece, 
Dou à saudade a riqueza 
De emoção que a hora tece. 

Mas, em verdade, o que chora 
Na minha amarga ansiedade 
Mais alto que a nuvem mora, 
Está para além da saudade. 

Não sei o que é nem consinto 
À alma que o saiba bem. 
Visto da dor com que minto 
Dor que a minha alma tem. 

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

14/01/2011

Procura da Poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Carlos Drummond de Andrade 

12/01/2011

Alma Desnuda


Eu sou uma alma nua nestes versos, 
Angustiado alma nua e sozinha 
Deixa suas pétalas espalhadas. 

Alma pode ser uma papoula 
Isso pode ser um lírio, uma violeta, 
Um precipício, uma floresta e uma onda. 

Alma que vagueia inquieto como o vento 
E ruge quando ele está no mar, 
E dorme docemente em uma rachadura. 

Alma que adora em seu altar, 
Deuses que não saia para cegarla; 
Alma que não conhece parede. 

Alma que facilmente poderia governar 
Com apenas um coração que foi dilacerado 
Para regar o seu sangue quente. 

Alma que, quando na primavera 
Ele diz que o inverno é preciso: retorno, 
Gota de neve na pradaria. 

Alma que se dissolvem quando neva 
Na tristeza, chorar para as rosas 
mola que nos rodeia. 

Alma borboletas que às vezes solta 
Um campo, sem distância definida 
E ele diz: libad sobre as coisas. 

Alma que morreu de uma fragrância 
Um suspiro, um verso que é solicitado, 
Sem perder, pode ser, a sua elegância. 

Alma que não sabe nada e nega tudo 
E negar o que promove boa boa 
Porque é mais negada como é entregue. 

Alma é normalmente encontrado como uma iguaria 
Sinta a alma, despreza a estrada, 
E para sentir na mão de uma carícia. 

Soul é sempre insatisfeito, 
Enquanto os ventos vaga, corre e gira; 
Alma que sangra constantemente raves 
Enquanto o navio até a estrela.


Alfonsina Storni

10/01/2011

Desejo

Desejo


Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.


Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.


Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.


Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.


Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.


Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.


Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.


Victor Hugo